O
AUTORRETRATO
O Museu Nacional de Belas Artes abrigou a primeira exposição de
auto-retratos realizada no Brasil, em
fevereiro de 1944, no Rio de Janeiro (então Capital da República).
A capa do catálogo dessa mostra ostentava o garboso auto-retrato
de Artur Timótheo da Costa que faz parte de seu acervo desde dezembro de
1945.
Prática muito comum entre os artistas, o retrato nada mais é do
que a afirmação da persona, antes de ser um mero exercício formal ou
manifestação narcisista. Herdamos incontáveis exemplos na História da
Arte: figuras da nobreza, soldados, pensadores, papas, ricos comerciantes,
estrelas cinematográficas e personalidades do mundo contemporâneo
esportivo e político. Podemos fazer um passeio desde a antigüidade egípcia
ou helênica situando-nos entre o autor anônimo da “Cabeça de Cleópatra”
até os ícones de hoje como Mao Tsé-Tung, Elizabeth Taylor e
Marilyn Monroe (sem esquecer o “rei” Pelé), estes realizados pelo
cultuado e argentário pintor pop norte-americano Andy Warhol.
E entre uma ponta e outra o caminho do retrato e do auto-retrato
foi realizado por Dürer, Van Eyck, Fouquet, Rembrandt e mais adiante: Cézanne, Van Gogh, Picasso, Bacon, Lucien Freud e muitos outros contemporâneos,
além do mítico Andy Warhol.
O retrato, assim como diversos motivos na arte servem para múltiplas
interpretações: seja o de ostentação e poder, riqueza, profano ou sacro,
moeda de manipulação ideológica ou simples objeto decorativo. Por exemplo, o retrato de Che Guevara é uma bandeira de
culto, assim como as imagens sacras pontuam uma fé,
o retrato de Gertrud Stein por Picasso se torna o
símbolo de uma escola: é o cubismo inaugurando
uma nova época.
Mas o que fica, é a passagem do homem pela História contada através
da imagem, tornando o retrato e o auto-retrato, uma poderosa fonte de
comunicação. Tarsila do Amaral
pintou-se bela e elegante, (vestia-se nos anos 20 em
Paris pela maison Poiret) e até o fim de seus dias zelou por sua cuidada
vaidade. Outros elegeram flagrar-se em pleno ofício envoltos por pincéis
e cavaletes, desdramatizando a imagem romântica do artista e optando por
outra de simplicidade operária. Um exemplo muito difundido
são os auto-retratos da excepcional artista mexicana Frida Khalo que se expõe
completamente dramática e trágica em sua pintura autoreferente. Sem
poupar-se, narra sua fragilidade pessoal.
Os artistas brasileiros, (e
alguns estrangeiros que viveram um período no Brasil e constam nesta
coletânea, ) não diferem de seus pares internacionais: o pintor
Antônio Bandeira é cor e festa, o primitivo José Antônio da
Silva, um movimento de pinceladas curtas e ritmadas.
Djanira mostra a exuberância de seu tipo brasileiro bem acentuado.
Raimundo de Oliveira é uma imagem rude, tosca, torturada e sofrida. Livio
Abramo é puro sentimento apesar (ou justamente por isso) da contenção
expressionista, enquanto o grande Oswaldo
Goeldi surge delineado, mas com rigor. Ado Malagoli mostra-se em sua ainda
juventude e Pancetti e Guignard são dois exemplos bem acabados de culto
da auto-imagem: pintaram-se repetida e continuamente um sem par de vezes.
Segall e Portinari, expressões
marcantes e referências definitivas.
Iberê Camargo mostra-se magistral na fase final de sua obra
utilizando-se da autoreferência como uma quase "necessidade" enquanto assunto pictórico,
embora se conheça apenas um auto-retrato dos tempos de seus primeiros passos
profissionais. Mas, à parte, entre os nacionais permanece a inquietante
presença de Ismael Nery (considerado um dândi) que em sua curta existência
retratou-se com maestria. A presente exposição
neste site procurou focalizar de modo múltiplo e abrangente
- o quanto nossa pesquisa conseguiu permitir -
toda a gama de sentimentos que a figura humana pode expressar, desde
a mais funda melancolia à pura e transbordante alegria. O
mais turvo e profundo retrato verte o mais diáfano e raso olhar, a mais dolorida e rasgada solidão, o grito mais intestino, a
aspereza de uma noite angustiante.
Modernos ou clássicos,
abstratos ou realistas, em tons claros e escuros, surrealistas ou
acadêmicos, ingênuos ou contrastados, sombrios, geométricos e
estilizados, ou ainda cubistas, todos expressam a imagem
idealizada: a pulsação da vida.
(Renato
Rosa – co-autor do Dicionário de Artes Plásticas no Rio Grande do
Sul)
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